Tudo junto e misturado


domingo, 20 de dezembro de 2009

Alto de Trapuá

Já foste algum dia espiar
do alto do engenho Trapuá?
Fica na mesma estrada de Nazaré,
antes de Tracunhaém.
Por um caminho à direita
se vai ter a uma igreja
que tem um mirante que está
bem acima dos ombros das chãs.
Com as lentes que o verão
instala no ar da região
muito se pode divisar
do alto do engenho Trapuá.


Se se olha para o oeste
onde começa o Agreste,
se vê o algodão que exorbita
sua cabeleira encardida,
a mamona de mais altura,
que amadurece feia e hirsuta,
o abacaxi, entre sabres metálicos,
o agave as vezes fálico,
a palmatória bem estruturada,
e a mandioca sempre em parada
na paisagem que o mato prolixo
completa sem qualquer ritmo,
e tudo entre cercas de avelós
que mordem com leite feroz
e ali estão, cão ou alcaide, para defesa da propriedade.


Se se olhar para o nascente,
se vê flora diferente.
Só canaviais e suas crinas,
e as canas longilíneas
de cores claras e ácidas,
femininas, aristocráticas, desfraldando ao sol completo
seus líquidos exércitos,
suas enchentes sem margem
que inundaram já todas as vargens
e vão agora ao assalto
dos restos de matas dos altos.


Porém se a flora varia
segundo o lado que se espia,
uma espécie há, sempre a mesma,
de qualquer lado que esteja.
É uma espécie bem estranha:
tem algo de aparência humana,
mas seu torpor de vegetal
é mais da história natural.
Estranhamente no rebento
cresce o ventre sem alimento,
um ventre entretanto baldio
que envolve só o vazio
e que guardará somente ausência
ainda durante a adolescência,
quando ainda esse enorme abdome
terá a proporção de sua fome.
Esse ventre devoluto,
depois no indivíduo adulto,
no adulto, mudará de aspecto:
de côncavo se fará convexo
e o que se parecia fruta
se fará palha absoluta.
apesar do pouco que vinga,
não é uma espécie extinta
e multiplica-se até regularmente.
Mas é uma espécie indigente,
é a planta mais franzina
no ambiente de rapina,
e como o coqueiro, consuntivo,
é difícil na região seu cultivo.



São lentes de aproximação
as que instala o verão
no mirante do Engenho Trapuá.
Tudo permitem divisar
com a maior precisão:
até ma espiga sem grão,
até o grão de uma espiga,
até no grão essa formiga
de ar muito mais racional
que o da estranha espécie local.

João Cabral de Melo Neto

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