Por Natalie Angier
The New York Times
Segundo a opinião de todos, meu avô, Nathan, tinha as ambições cômicas de um Jack Benny, mas o talento cômico de um John Kerry. Sem desanimar, ele sempre guardava um bloquinho de papéis no bolso. Caso ele ouvisse uma boa piada, sempre haveria um lugar para anotá-la.
Como eu gostaria de saber onde Nathan guardava os papeizinhos.
Assim como muita gente, eu nunca consigo lembrar de uma piada. Eu ouço, ou leio, algo hilário, rio alto o suficiente para constranger todo mundo na biblioteca, mas instantaneamente esqueço tudo - menos o fato, sempre popular numa mesa de jantar, de que eu "ouvi uma piada ótima hoje, mas agora não me lembro como era".
Para pesquisadores que estudam a memória, a facilidade com a qual as pessoas esquecem as piadas é uma daquelas esquisitices, aqueles pequenos deslizes na casca de banana neuronal, que acabam revelando uma quantidade surpreendente de coisas sobre a arquitetura por trás da memória.
Existem exemplos similares para ilustrar os caprichos e o mau gosto da memória - como por que você pode esquecer o aniversário de seu cônjuge, mas vai lembrar, até o leito de morte, de todas as palavras da música de abertura do programa "A Ilha de Gilligan". E por que você corta uma linha de dados, como um número telefônico é divido em blocos previsíveis e gerenciáveis, com o objetivo de memorizá-lo, e depois se desespera quando vai para o Reino Unido e ouve alguém dizendo um número "duplo quatro, duplo três?" E por que seus esforços para preencher um lapso de memória repentino ao perguntar a seus amigos "Ei, como era o nome do ator principal daquele filme que vimos na sexta-feira?" pode falhar, pois agora todos também esqueceram (amigos inúteis!).
Bem-vindo ao cérebro humano, seu trono de 1,3 kg de conhecimento com a almofada de alegria no assento.
Para entender a memória humana e seus tiques, Scott A. Small, neurologista e pesquisador da memória na Columbia, sugere uma analogia familiar à da memória do computador.
Temos nossa própria versão de um "buffer", ele disse, uma memória de curto prazo e escopo limitado com taxa de rotatividade mais alta. Temos o nosso equivalente ao botão "salvar": o hipocampo, localizado no fundo da parte anterior do cérebro, essencial para traduzir memórias de curto prazo em formas mais permanentes.
Nossos lóbulos frontais desempenham a função de busca, resgatando arquivos salvos para enfeitar a memória, conforme a necessidade. Apesar dos cientistas antes acreditarem que as memórias de curto e longo prazo eram armazenadas em diferentes partes do cérebro, eles descobriram que o que realmente distingue o duradouro do temporário é o quão forte a memória está encravada no cérebro, além da grossura e da complexidade das conexões capazes de unir grandes populações de células cerebrais. Quanto mais profunda a memória, mais prontamente e robustamente um conjunto de neurônios similares irão disparar.
Esse processo ajuda a explicar por que algumas coisas da vida nos fogem rapidamente e depois se recusam a serem capturadas. Música, por exemplo.
"O cérebro tem uma forte propensão a organizar informação e percepção em padrões, e a música funciona nesse sentido", afirmou Michael Thaut, professor de música e neurociência da Universidade Estadual do Colorado. "De uma perspectiva acústica, a música é uma linguagem superestruturada que o cérebro inventou e adora ouvir".
Uma simples melodia, com um ritmo e uma repetição simples, pode ser um dispositivo tremendamente mnemônico. "Seria praticamente impossível para uma criança memorizar uma sequência de 26 letras separadas se você as apresentasse apenas como uma linha de informação", disse Thaut. Porém, quando o alfabeto é transformado em música com suas frases melódicas, as crianças do pré-escolar conseguem aprendê-lo com facilidade.
O que são os jingles e canções temáticas de programas de TV mais capciosos? Apenas variações da canção alegre do ABC.
Piadas realmente boas, por outro lado, fogem da abordagem "do-ré-mi". Elas funcionam justamente por não estarem em conformidade com rotinas de padrão reconhecias, por subvertê-las.
"As piadas funcionam porque lidam com o inesperado, começam numa direção e depois desviam para outra", disse Robert Provine, professor de psicologia da Universidade de Maryland, em Baltimore County, e autor de "Laughter: A Scientific Investigation" ("Riso: Uma Investigação Científica", em tradução livre). "Aquilo que faz o sucesso de uma piada são as mesmas propriedades capazes de torná-la difícil de ser lembrada".
Isso também pode explicar por que as piadas mais lembradas são extremamente clichês. Piada de sogra? Sim, tenho várias na ponta da língua.
Pesquisadores da memória sugerem motivos adicionais de que ótimas piadas podem desconcertar o conhecimento comum. Daniel L. Schacter, professor de psicologia de Harvard e autor de "The Seven Sins of Memory" ("Os Sete Pecados da Memória", em tradução livre), afirma que existe uma grande diferença entre a lembrança literal de todos os detalhes de um evento e a lembrança genérica de seu significado geral.
"Nós, humanos, somos muito bons em lembranças genéricas, mas temos dificuldade em precisão", ele disse. Apesar de anedotas serem, contadas num plano mais amplo, as piadas são um sucesso ou um fracasso devido à nuance, à precisão e ao momento. Apesar da agitação emocional normalmente ampliar a memória, ela acaba erodindo sua atenção para aquele detalhe crucial. "Aquilo que estimula emocionalmente chama sua atenção para um objeto central", disse Schacter, "mas pode fazer com que seja difícil lembrar de detalhes periféricos".
Mesmo sendo bastante frustrante esquecer algo novo, é ainda pior esquecer o que você já sabe. Cientistas se referem a isso como o fenômeno "da ponta da língua", quando você sabe algo, mas não consegue colocá-lo para fora, e quanto mais você tenta, mais você erra.
É um distúrbio tão virulento que, quando você pede ajuda aos amigos, pode acabar deflagrando a chamada amnésia contagiosa. Por trás do travamento da língua estão os nervos delicadíssimos dos lóbulos frontais do cérebro e sua sensibilidade à ansiedade aos hormônios de resposta ao estresse. Os lóbulos frontais, procuradores frenéticos das memórias armazenadas, e desempenhadores de outras tarefas cognitivas importantes, tendem a travar quando a parte inferior do cérebro sente o perigo e exige o envio de energia em sua direção.
Por esta razão, a ansiedade pode ser o pior inimigo de alguém que realiza uma prova. A ansiedade de um quiz feito por um amigo pode fazer seus lóbulos frontais congelarem e sua mente virar um papel em branco. Também é por isso que você se lembra do fato frustradamente esquecido depois, tarde da noite, na tranquilidade da sua cama.
As memórias podem ser fortalecidas com tempo, prática, prática e prática. Porém, se existe uma parte do sistema que resiste à melhoria, esses são nossos "buffers", o tamanho da nossa memória funcional no qual alguns poucos itens podem ser temporariamente armazenados. Muitas pesquisas sugerem que podemos guardar na memória de curto prazo somente de cinco a nove blocos de informação a cada vez.
Os limites da memória funcional encorajam nossos cérebros loucos por padrões. Logo tentamos agrupar números telefônicos em porções menores e podemos lidar com números de até dez dígitos quando eles possuem código de área com frases previsíveis, como um zero ou um número 1 no meio. No entanto, com o surgimento de números telefônicos pouco ritmados de dez dígitos aleatórios, os pesquisadores da memória dizem que os limites da memória funcional foram ultrapassados. Você tem algum bloquinho de papel aí?
Fonte: UOL Ciência e Saúde
Como eu gostaria de saber onde Nathan guardava os papeizinhos.
Assim como muita gente, eu nunca consigo lembrar de uma piada. Eu ouço, ou leio, algo hilário, rio alto o suficiente para constranger todo mundo na biblioteca, mas instantaneamente esqueço tudo - menos o fato, sempre popular numa mesa de jantar, de que eu "ouvi uma piada ótima hoje, mas agora não me lembro como era".
Para pesquisadores que estudam a memória, a facilidade com a qual as pessoas esquecem as piadas é uma daquelas esquisitices, aqueles pequenos deslizes na casca de banana neuronal, que acabam revelando uma quantidade surpreendente de coisas sobre a arquitetura por trás da memória.
Existem exemplos similares para ilustrar os caprichos e o mau gosto da memória - como por que você pode esquecer o aniversário de seu cônjuge, mas vai lembrar, até o leito de morte, de todas as palavras da música de abertura do programa "A Ilha de Gilligan". E por que você corta uma linha de dados, como um número telefônico é divido em blocos previsíveis e gerenciáveis, com o objetivo de memorizá-lo, e depois se desespera quando vai para o Reino Unido e ouve alguém dizendo um número "duplo quatro, duplo três?" E por que seus esforços para preencher um lapso de memória repentino ao perguntar a seus amigos "Ei, como era o nome do ator principal daquele filme que vimos na sexta-feira?" pode falhar, pois agora todos também esqueceram (amigos inúteis!).
Bem-vindo ao cérebro humano, seu trono de 1,3 kg de conhecimento com a almofada de alegria no assento.
Para entender a memória humana e seus tiques, Scott A. Small, neurologista e pesquisador da memória na Columbia, sugere uma analogia familiar à da memória do computador.
Temos nossa própria versão de um "buffer", ele disse, uma memória de curto prazo e escopo limitado com taxa de rotatividade mais alta. Temos o nosso equivalente ao botão "salvar": o hipocampo, localizado no fundo da parte anterior do cérebro, essencial para traduzir memórias de curto prazo em formas mais permanentes.
Nossos lóbulos frontais desempenham a função de busca, resgatando arquivos salvos para enfeitar a memória, conforme a necessidade. Apesar dos cientistas antes acreditarem que as memórias de curto e longo prazo eram armazenadas em diferentes partes do cérebro, eles descobriram que o que realmente distingue o duradouro do temporário é o quão forte a memória está encravada no cérebro, além da grossura e da complexidade das conexões capazes de unir grandes populações de células cerebrais. Quanto mais profunda a memória, mais prontamente e robustamente um conjunto de neurônios similares irão disparar.
Esse processo ajuda a explicar por que algumas coisas da vida nos fogem rapidamente e depois se recusam a serem capturadas. Música, por exemplo.
"O cérebro tem uma forte propensão a organizar informação e percepção em padrões, e a música funciona nesse sentido", afirmou Michael Thaut, professor de música e neurociência da Universidade Estadual do Colorado. "De uma perspectiva acústica, a música é uma linguagem superestruturada que o cérebro inventou e adora ouvir".
Uma simples melodia, com um ritmo e uma repetição simples, pode ser um dispositivo tremendamente mnemônico. "Seria praticamente impossível para uma criança memorizar uma sequência de 26 letras separadas se você as apresentasse apenas como uma linha de informação", disse Thaut. Porém, quando o alfabeto é transformado em música com suas frases melódicas, as crianças do pré-escolar conseguem aprendê-lo com facilidade.
O que são os jingles e canções temáticas de programas de TV mais capciosos? Apenas variações da canção alegre do ABC.
Piadas realmente boas, por outro lado, fogem da abordagem "do-ré-mi". Elas funcionam justamente por não estarem em conformidade com rotinas de padrão reconhecias, por subvertê-las.
Às vezes você sabe algo, mas não consegue colocar para fora, e quanto mais você tenta, mais você erra; os cientistas estudam o fenômeno para entender melhor a memória |
Isso também pode explicar por que as piadas mais lembradas são extremamente clichês. Piada de sogra? Sim, tenho várias na ponta da língua.
Pesquisadores da memória sugerem motivos adicionais de que ótimas piadas podem desconcertar o conhecimento comum. Daniel L. Schacter, professor de psicologia de Harvard e autor de "The Seven Sins of Memory" ("Os Sete Pecados da Memória", em tradução livre), afirma que existe uma grande diferença entre a lembrança literal de todos os detalhes de um evento e a lembrança genérica de seu significado geral.
"Nós, humanos, somos muito bons em lembranças genéricas, mas temos dificuldade em precisão", ele disse. Apesar de anedotas serem, contadas num plano mais amplo, as piadas são um sucesso ou um fracasso devido à nuance, à precisão e ao momento. Apesar da agitação emocional normalmente ampliar a memória, ela acaba erodindo sua atenção para aquele detalhe crucial. "Aquilo que estimula emocionalmente chama sua atenção para um objeto central", disse Schacter, "mas pode fazer com que seja difícil lembrar de detalhes periféricos".
Mesmo sendo bastante frustrante esquecer algo novo, é ainda pior esquecer o que você já sabe. Cientistas se referem a isso como o fenômeno "da ponta da língua", quando você sabe algo, mas não consegue colocá-lo para fora, e quanto mais você tenta, mais você erra.
É um distúrbio tão virulento que, quando você pede ajuda aos amigos, pode acabar deflagrando a chamada amnésia contagiosa. Por trás do travamento da língua estão os nervos delicadíssimos dos lóbulos frontais do cérebro e sua sensibilidade à ansiedade aos hormônios de resposta ao estresse. Os lóbulos frontais, procuradores frenéticos das memórias armazenadas, e desempenhadores de outras tarefas cognitivas importantes, tendem a travar quando a parte inferior do cérebro sente o perigo e exige o envio de energia em sua direção.
Por esta razão, a ansiedade pode ser o pior inimigo de alguém que realiza uma prova. A ansiedade de um quiz feito por um amigo pode fazer seus lóbulos frontais congelarem e sua mente virar um papel em branco. Também é por isso que você se lembra do fato frustradamente esquecido depois, tarde da noite, na tranquilidade da sua cama.
As memórias podem ser fortalecidas com tempo, prática, prática e prática. Porém, se existe uma parte do sistema que resiste à melhoria, esses são nossos "buffers", o tamanho da nossa memória funcional no qual alguns poucos itens podem ser temporariamente armazenados. Muitas pesquisas sugerem que podemos guardar na memória de curto prazo somente de cinco a nove blocos de informação a cada vez.
Os limites da memória funcional encorajam nossos cérebros loucos por padrões. Logo tentamos agrupar números telefônicos em porções menores e podemos lidar com números de até dez dígitos quando eles possuem código de área com frases previsíveis, como um zero ou um número 1 no meio. No entanto, com o surgimento de números telefônicos pouco ritmados de dez dígitos aleatórios, os pesquisadores da memória dizem que os limites da memória funcional foram ultrapassados. Você tem algum bloquinho de papel aí?
Fonte: UOL Ciência e Saúde
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